A história da luta contra a escravidão é marcada por diversos atores e movimentos que, em diferentes contextos, desafiaram as estruturas sociais e econômicas de seu tempo.
Em um tempo em que o próprio discurso religioso era usado para legitimar a escravidão africana, saber que nem todos os religiosos se curvaram diante da pressão capitalista é um alento. Um farol que aponta a possibilidade de um mundo onde Evangelho, tal como preconizou Jesus Cristo possa ser uma arma poderosa na luta contra a opressão e injustiças sociais.
Entre esses atores, a Igreja Metodista desempenhou um papel significativo, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, durante os séculos XVIII e XIX. Este artigo busca explorar o envolvimento dos metodistas na luta contra a escravidão, problematizando suas contradições, analisando o contexto socioeconômico da época e destacando os principais expoentes e resultados práticos desse engajamento.
Contexto Socioeconômico e a Aceitação da Escravidão
No século XVIII, a escravidão africana era uma instituição profundamente enraizada nas economias das colônias europeias, especialmente nas Américas. O tráfico transatlântico de escravizados sustentava a produção de commodities como açúcar, tabaco e algodão, que eram essenciais para o comércio internacional e a acumulação de riquezas nas metrópoles europeias. A escravidão não era apenas uma prática econômica, mas também uma estrutura social que legitimava a exploração e a desumanização de milhões de africanos e seus descendentes.
Nesse contexto, muitas igrejas cristãs, incluindo a Igreja Metodista em seus primórdios, não questionavam abertamente a escravidão. A aceitação da escravidão por parte de algumas denominações religiosas pode ser explicada por vários fatores: a dependência econômica de fiéis que eram proprietários de escravizados, a interpretação de passagens bíblicas que pareciam justificar a servidão e o medo de conflitos sociais que poderiam surgir com a abolição. No entanto, essa postura começou a ser questionada à medida que o movimento metodista crescia e se consolidava.
A Mudança de Postura dos Metodistas
O metodismo, fundado por John Wesley no século XVIII, surgiu como um movimento de renovação dentro da Igreja Anglicana, enfatizando a santidade pessoal, a justiça social e a experiência religiosa transformadora. Wesley, embora inicialmente não fosse um abolicionista radical, tornou-se um crítico ferrenho da escravidão após testemunhar suas crueldades durante sua estadia na colônia britânica da Geórgia, nos Estados Unidos. Em 1774, ele publicou o panfleto “Thoughts Upon Slavery”, no qual condenava a escravidão como uma violação dos princípios cristãos e um pecado contra a humanidade.
Apesar da posição clara de Wesley, a Igreja Metodista nos Estados Unidos demorou a adotar uma postura abolicionista unificada. A divisão entre metodistas do Norte e do Sul refletia as tensões regionais em torno da escravidão. Enquanto os metodistas do Norte, influenciados pelo avivamento religioso do Segundo Grande Despertar, começaram a defender a abolição, os metodistas do Sul, onde a economia dependia fortemente do trabalho escravo, resistiam a qualquer mudança.
Principais Expoentes da Luta Abolicionista
Dentre os principais expoentes metodistas na luta contra a escravidão, destacam-se figuras como Francis Asbury, o primeiro bispo metodista nos Estados Unidos, que, embora não fosse um abolicionista radical, pregava contra a escravidão e incentivava a libertação dos escravizados. Outro nome importante foi Richard Allen, um ex-escravizado que se tornou um líder religioso e fundou a Igreja Metodista Episcopal Africana (AME) em 1816, uma denominação que se tornou um espaço de resistência e empoderamento para a comunidade negra.
Já no Reino Unido, William Wilberforce, que se converteu ao Evangelho em 1785, embora não fosse metodista, foi profundamente influenciado pelos ideais de Wesley e liderou a campanha no parlamento inglês que resultou na abolição do tráfico de escravos em 1807 na Slave Trade Act e na emancipação dos escravizados nas colônias britânicas em 1833, mas não no Brasil, é claro. A conexão entre o movimento metodista e o abolicionismo britânico foi fundamental para o sucesso dessas campanhas.
Resultados Práticos e Legado
Bora muito pouco falado, a luta de alugns metodistas contra a escravidão teve resultados práticos significativos. Nos Estados Unidos, a divisão entre metodistas do Norte e do Sul em 1844, conhecida como a Cisão Metodista, foi um reflexo das tensões em torno da escravidão e um prenúncio da Guerra Civil Americana. Após a abolição da escravidão em 1865, a Igreja Metodista desempenhou um papel importante na reconstrução do Sul e na promoção da educação para os libertos.
No Reino Unido, a influência dos metodistas e de outros grupos religiosos foi crucial para a aprovação das leis abolicionistas. O legado desse engajamento pode ser visto na continuidade do ativismo social das igrejas metodistas, que até hoje defendem causas relacionadas à justiça racial e aos direitos humanos.
Conclusão
A participação dos metodistas na luta contra a escravidão é um exemplo de como a fé pode ser mobilizada para desafiar estruturas de opressão.
No entanto, essa história também revela as contradições e os conflitos internos que marcaram o movimento abolicionista. Ao problematizar o papel da Igreja Metodista, podemos refletir sobre a complexidade das lutas sociais e a importância de enfrentar as injustiças, mesmo quando isso significa questionar as próprias instituições às quais pertencemos.
O legado dos metodistas abolicionistas nos inspira a continuar lutando por um mundo mais justo e igualitário e o conhecimento sobre o nosso passado lança luz sobre um período em que a mesma religião era usada para legitimar a posse de um ser humano por outro.
WESLEY, John (2005). O Diário de John Wesley: o pai do metodismo. São Paulo: Arte Editorial. pp. 383–387
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